Carros de Leilão: Bom negócio ou uma tremenda fria?

Por Renato Pereira (texto e fotos)

Vamos lá. Como estamos cansados de saber, o que estraga o Brasil é o brasileiro. Não todos, é claro, mas uma boa parcela que quer levar vantagem em tudo e se torna picareta profissional, para além do mundo do crime ser mais adiantado do que os sistemas de segurança de qualquer natureza. E esse “jeitinho brasileiro” de ser vem impactando diretamente a onda dos leilões de veículos porquê, é claro, já bolou um jeito de burlar as diretrizes e processos – principalmente nos leilões on-line – e “vendendo” o que não existe – ou existe mas não é aquilo que se vê. Em tempo, a pilantragem não é exclusividade nacional, existe no mundo todo, mas é o que interessa nessa matéria, entre outras coisas, sobre o território brasileiro. A idéia aqui é explicar todo o processo que envolve os leilões de veículos, para leigos e profissionais, e mostrar o que está por vir neste universo.

Sim, os leilões são uma boa alternativa para quem busca economizar e adquirir um veículo. É só saber o que está fazendo, desligar o coração e agir pela razão para não ser enganado ou pagar mais do que devia, principalmente porquê os arrematadores costumeiros destes leilões são lojistas ou donos de oficinas, que sabem certinho até onde podem ir para ganhar alguma coisa na revenda. Não, não é para amadores. É preciso entender o mercado – modelos e anos de maior e menor procura, seus valores em lojas do ramo que tem de oferecer garantias, visitar o pátio e ver de perto o que interessa, mesmo sabendo que não poderá ligar o motor nem testar nada, procurar enxergar sinais característicos de enchentes ou colisões que afetaram as estruturas, saber que quanto mais novo e “moderno” o veículo, maior é a quantidade de eletrônica caríssima embarcada, enfim: se você não é do ramo, contrate alguém que seja para te ajudar. Atenção triplicada nos leilões on-line, já que as fotos e vídeos nunca mostram o “lado sombrio” dos lotes, para além de que sites piratas estão por toda parte.

As vantagens em comprar um veículo em leilão residem basicamente nos valores mais baixos em relação à tabela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que divulga o valor médio de veículos no mercado nacional, muito empregada por comerciantes que a aplicam para desvalorizar o seu veículo e supervalorizar os deles; a organização do leilões, com horário pré-determinados para visitações prévias e para o início e término de cada leilão e a segurança para as negociações, em leilões homologados e com certificados Leilão Seguro (www.leilaoseguro.org.br), onde não existe pagamento em dinheiro, adiantamento (sinal) nem outro tipo de trapaça.

As desvantagens estão na desvalorização do veículo pelo simples fato de ter passado por um leilão, que varia entre 20% a 40% do valor sugerido pela tabela Fipe. A informação de que o veículo foi adquirido em leilão fica registrado nos documentos, e a desinformação reinante neste país de tabus seculares afasta compradores quando de sua revenda. Não obstante, conforme anteriormente comentado, a menos que você entenda bastante de mecânica, eletrônica, mecatrônica, funilaria e pintura, ou tudo isso junto, comprar um “sinistrado” pode acabar custando mais caro o molho do que o peixe, porquê vai cair nas mãos de terceiros para os consertos. Também conforme mencionado, você não pode testar nada do veículo, é 100% uma compra no escuro, com você se fiando exclusivamente no edital do veículo, que não informa nada sobre a “vida pregressa” do lote, que pode ter seu trem de força detonado por mau uso, ser um sobrevivente de enchente ou sua carroceria ser uma “lasanha” de tanta massa.

Mas tem mais desvantagens, que aparecem na hora do seguro na revenda. Para entender melhor, vamos primeiro entender as classificações comumente encontradas nos veículos em leilões:

Sinistro – é um termo utilizado pelas Seguradoras para se referirem a uma situação incluída na apólice de seguro, que gera a cobertura. Resumindo, se seu veículo tem seguro anti-furto e é furtado, ocorre um Sinistro. Porém, se esse veículo tem apenas o seguro anti-furto e bate, não haverá Sinistro. Existem 2 tipos de Sinistro, o Parcial e o Total.

No Sinistro Parcial a seguradora paga tudo que ficar abaixo de 75% do valor de mercado do veículo, normalmente danos por batidas, acidentes, alagamentos etc; então vem as classificações Sinistro Pequena Monta (DPM) ou “Sem Dano”, quando apenas 1 ou 2 partes do veículo foram danificadas, avaria menos grave que não compromete a estrutura do veículo e não demanda inspeções técnicas e Sinistro Média Monta, que é quando de 1 a 6 partes do carro foram danificadas, incluindo-se aí danos estruturais (colunas, longarinas etc) e aí as inspeções são mais rigorosas, em alguns estados exigindo-se laudo até do Inmetro. Diz a lenda que sinistro pequena monta não consta nos documentos do veículo. Papo furado, consta sim e desvaloriza o veículo na revenda. Idem para o sinistro média monta. Essa desvalorização é uma completa estupidez, porque após o conserto foram feitas todas as vistorias a análises possíveis, o veículo foi aprovado em todas e a seguradora, que é quem na realidade te vendeu o veículo não o aceita? E no financiamento, onde o banco te aprova e financia mas, se no decorrer do tempo você se ver em dificuldades e quiser fazer a “devolução amigável” este mesmo banco financiador não aceita o veículo porquê tem passagem por leilão, tendo plena consciência do fato quando te vendeu o veículo – não foi a loja quem te vendeu, foi o banco, a loja apenas intermediou o negócio.

Já no Sinistro Total entra o Furto ou Roubo (normalmente o veículo extraviado não retorna ao proprietário) e o valor total de indenização é pago, assim como também ocorre quando o valor do conserto supera o valor de mercado do veículo. Porém as vezes o veículo roubado/furtado é recuperado após o seguro ter pago a indenização, e então esta seguradora o leva à leilão. Este veículo é então leiloado “no estado”, faltando um monte de peças e componentes, e normalmente tendo de ter seu chassi ou motor remarcados para tornar-se legal novamente. Apenas isso. Já quando o valor do conserto extrapola o valor de mercado, sua classificação é de Sinistro Grande Monta e o veículo é leiloado como Sucata em 99% dos casos para os Desmanches.

Por que um veículo com pequena ou média monta vai para o leilão? Bom… cada seguradora tem um critério, mas tudo se inicia no que consta no Boletim de Ocorrência. Pode ser por pouco ou nenhum dano quando recuperado de furto ou roubo. Pode ser por falta de pagamento do financiamento; pode ser por  renovação de alguma frota; e pode ser o “jeitinho brasileiro” em ação, ou seja, vai depender do cliente da seguradora ou das oficinas onde forem feitos os orçamentos, porque se o cliente for “quente”, com vários bens segurados, as vezes é melhor agradá-lo com uma indenização do que com um conserto. Não, isso não é mentira nem acusação, as coisas simplesmente são assim, e esses veículos são excelentes negócios em leilões, só não vale se empolgar e pagar mais do que valem em uma loja convencional.

Em todas as classificações, o veículo ficará “fichado”, e em seu histórico constará a passagem por leilão, mesmo sendo um simples caso de veículo recuperado de financiamento, que na teoria não deveria ter defeito algum mas sabemos como é brasileiro… compra sabendo que não vai conseguir pagar, enrola uns meses enquanto esmerilha até o fiapo o veículo e então entrega para a financeira só o bagaço. Por isso tudo, é bom se precaver pesquisando placa, chassi e, se possível, Renavam, fotografando, filmando e arquivando os editais de cada veículo que pretender adquirir,  só se aventure em leilões on-line sem visitação se conhecer muito sobre automóveis e, neste caso, novamente, certifique-se da autenticidade do leilão/leiloeiro através do site www.leilaoseguro.org.br e/ou da Junta Comercial de sua cidade.

Ainda assim, com toda essa confusão, é um bom negócio comprar veículos em leilão? Sim, é um bom negócio. Guardadas todas as precauções, sabendo que muitas surpresas aparecem quando dos consertos, que sobre o valor do seu lance incidirão taxas, incrementos, porcentagens (exemplo: lance de R$ 24.000,00 se transforma em R$ 27.000,00), transportes etc, é um bom negócio. Tanto é que, repentinamente, os pátios de leilão se proliferaram em todo o país, e com o advento Internet em leilões on-line seguros, você pode comprar um veículo em qualquer lugar do país.

Uma garantia de que um leilão oficial é um b lugar seguro é que não é tão fácil assim ser leiloeiro. Apesar de a profissão ter sido regulamentada em 1932 e as leis que estabelecem suas regras serem as mesmas até hoje, as exigências para um leilão oficial começam com a formação profissional do candidato, sendo advocacia, administração, economia ou contabilidade as formações determinadas, a comprovação de idoneidade moral e capacidade civil, a qualificação profissional (legislação, avaliação, técnicas etc) para a função, o caução em dinheiro, o seguro e não exercer atividade de comércio, entre outras. Por tudo isso o leiloeiro recebe um salário + no mínimo 5% do valor do arremate do veículo. Uma vez que a pessoa consegue superar todos os obstáculos e se consagrar como leiloeiro, não vai querer se arriscar, nem no Brasil, a perder tudo isso, então… um leilão honesto é uma excelente fonte de compra.

O principal empecilho para a comercialização de veículos oriundos de leilão são as seguradoras. A maioria das pessoas quer comprar um veículo e contratar um seguro. Mas as mesmas seguradoras que vendem os veículos em leilões e se livram do prejuízo, não os aceitam de volta, mesmo após todos os procedimentos – e as exigências dos consertos exigem notas fiscais de todas as peças substituídas e das oficinas que fizeram os reparos – de vistorias e aprovações. Alegam falta de garantia sobre a condição do veículo e a incerteza sobre sua procedência e seu histórico. Se é assim, então elas deveriam ser proibidas de vender seus veículos. Algumas seguradoras aceitam contratar carros obtidos em leilão, mas com um milhão de exigências, restrições e condições, cobrem no máximo 80% do valor de mercado do veículo e o valor do seguro contratado é bem mais caro do que o convencional. Só agem assim porquê podem, uma vez que ditam as regras, o que coloca a culpa dessa atitude absurda no próprio consumidor que compra mas tem dificuldades em vender ou segurar o que a mesma seguradora lhe vendeu. Quem o arrematou, consertou e quer vender se estrepa, porquê é muito mais difícil conseguir um negócio.

Finalmente, quem tiver interesse nesse comércio é melhor se apressar. As coisas podem se complicar e os valores deixarem de ser atrativos no território dos leilões em breve, graças a mais uma investida, em busca de controle, do Governo Federal sobre o comércio, alterando a regulamentação dos leilões. A revisão da Instrução Normativa DREI/ME 52/2022, que trata da Regulação dos Leilões no Congresso Nacional, através do Ministério do Empreendedorismo de Márcio França, acendeu todas as luzes vermelhas na Casa, uma vez que, dos 7 integrantes do grupo desta revisão, 5 são leiloeiros e 3 são investigados pelo CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – por práticas anti-concorrenciais, eufemismo bonitinho para OLIGOPÓLIO. E é justamente esta a preocupação de integrantes honestos do Congresso Nacional com esta revisão (em ritmo acelerado), que certamente fortalecerá este tipo de conchavo, ampliando suas exclusividades e poderes, limitando o espaço de novos profissionais, refletindo unicamente interesses internos da categoria e prejudicando o mercado em um todo, inflacionando os valores por não terem concorrência. Como diz o ditado adaptado, alegria de pobre brasileiro não existe!

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